Euroesclerose
O epicentro da crise global já não é mais a economia americana, mas sim a Europa, que está na UTI. E, no Velho Continente, os problemas estruturais são tão graves que já ameaçam até a saúde do euro
Por Carolina Matos e Hugo Cilo
O epicentro da crise global já não é mais a economia americana, mas sim a Europa, que está na UTI. E, no Velho Continente, os problemas estruturais são tão graves que já ameaçam até a saúde do euro
Por Carolina Matos e Hugo Cilo
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Protestos na frança: trabalhadores contrârios a mudanças na lei de previdência |
A expressão usada por Trichet revela bem o estado de ânimo dos europeus, que vivem uma crise que pode até abrir novas oportunidades para países emergentes como o Brasil. Mal comparando, eles vivem uma situação parecida com a de uma família quatrocentona, que ainda ostenta títulos de nobreza, mas que perdeu patrimônio e não pode passar pelo vexame de ver seu nome nas páginas de protestos judiciais. "A única coisa capaz de acalmar os mercados é um pacote interno, 100% europeu, de resgate das economias mais problemáticas", disse à DINHEIRO Jim Reid, estrategista do Deutsche Bank
Em tese, com um PIB de apenas US$ 343 bilhões, a economia do Mediterrâneo é relativamente pequena e não deveria ser capaz de provocar nenhuma turbulência no globo. Mas o caso grego expõe as fragilidades da União Europeia, um bloco que já conta com 16 países na Zona do Euro e tem outros na fila - a Grécia foi aceita em 2000. Durante a bonança, os países mais frágeis do continente receberam grandes investimentos das economias centrais, mas não encontraram novas vocações econômicas. E o euro criou uma ilusão de riqueza. Agora, com a retração econômica, as contas fiscais entraram em colapso - a Grécia registrou um rombo de 12,7% do PIB, quando as regras do Tratado de Maastricht, que fixou as regras do euro, estipulava um teto de 3% do PIB. E é exatamente aí que entra um outro complicador. Numa situação normal, um governo neste estâgio poderia adotar medidas de política monetária, usando a inflação para reduzir a dívida, ou de política cambial, para aumentar a competitividade externa de seus produtos. Mas os países do euro perderam instrumentos de ação. E por isso ficaram na mira dos mais pessimistas. "Se nada fosse feito, a Grécia poderia voltar aos tempos da dracma", previu o economista Nouriel Roubini.
A questão é que a crise de confiança está se disseminando rapidamente em vários países da Europa. Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia, afirmou na semana passada que "o coração da crise se chama Espanha". E ele também apontou a falta de instrumentos por parte do governo de José Luis Zapatero. "Se a Espanha tivesse a sua moeda, poderia desvalorizá-la para voltar a ser competitiva", disse ele. "Como não tem, está condenada a vários anos de deflação e alto desemprego." Embora esteja no centro das preocupações, a Espanha teve uma boa notícia na semana passada, quando a agência Moody's reafirmou o rating AAA do país, diante das promessas de que o país também enfrentaria seu problema previdenciário. Mas o que é dito pelas agências nem sempre é levado ao pé da letra pelo mercado - na semana passada, pela primeira vez na história, Grécia, Portugal, Irlanda e a própria Espanha apresentavam uma taxa de risco de crêdito superior à brasileira (leia gráfico).
O epicentro da crise global já não é mais a economia americana, mas sim a Europa, que está na UTI. E, no Velho Continente, os problemas estruturais são tão graves que já ameaçam até a saúde do euro
Por Carolina Matos e Hugo Cilo
O Velho Continente está | |
Na Espanha, o desemprego já se aproxima de 20%. Entre os mais jovens é de quase 40%. E isso revela um outro aspecto da euroesclerose: a rigidez do mercado de trabalho, que se soma a um grave problema demográfico. Países como Itália e Alemanha estão perdendo população. Na Espanha, ela já não cresce mais. E, quando se leva em conta que as populações têm idades médias elevadas, o problema previdenciário se torna crítico. Tão grave quanto isso é a imensa reação dos europeus a qualquer mudança. No mês passado, na Bélgica, a demissão de 260 pessoas na ABInbev, num quadro de 2,7 mil funcionários, provocou bloqueios nas estradas, que paralisaram totalmente a produção da empresa. Além disso, parlamentares passaram a pedir a cabeça do CEO da companhia, o brasileiro Carlos Brito. No início deste mês, na França, dois gerentes de uma empresa de móveis perto de Paris, a Pier Import, foram feitos reféns pelos trabalhadores, que protestaram contra futuras demissões. E a gigante France Telecom foi palco de uma onda de suicídios - 25 em 20 meses -, em decorrência de um estilo de gestão mais agressivo. "Eles viveram durante muitos anos num mundo de privilégios e criaram economias que hoje são elefantes brancos", aponta o sociólogo Paulo Edgar de Almeida Resende, professor da PUC-SP.
O epicentro da crise global já não é mais a economia americana, mas sim a Europa, que está na UTI. E, no Velho Continente, os problemas estruturais são tão graves que já ameaçam até a saúde do euro
Por Carolina Matos e Hugo Cilo
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Bolsa de Madri: os temores sobre a Europa afugentam os investidores |
Justamente por isso, o mundo hoje parece mais preocupado com a situação da Europa do que com a dos Estados Unidos. Enquanto o consenso dos bancos internacionais já projeta algum crescimento da economia americana em 2010, entre 1% e 2%, o PIB europeu deverá recuar cerca de 1%. E há também a convicção de que os Estados Unidos têm maior poder de reação, pelo simples fato de estarem mais integrados à economia global - a Europa ainda é a região mais protecionista do mundo. E que também não cumpriu uma das promessas da união econômica - a de criar grandes conglomerados globais, com centros de produção em todo o continente. Uma das únicas exceções é a Airbus, com atividade industrial na França, na Alemanha e na Espanha. Muitas economias, especialmente as dos PIIGS, foram capazes de transpor para além de suas fronteiras apenas grandes empresas de serviços - como a Telefônica e o Santander, na Espanha, ou a Portugal Telecom,
Como o espaço para crescer na Europa hoje parece limitado, as grandes multinacionais do Velho Continente voltam suas atenções cada vez mais para os países emergentes - e nisso o Brasil ganha posição de destaque. O Carrefour cresceu 14% no Brasil em 2009, contra 2,6% na Europa. A Renault passou a ter no País seu quinto maior mercado global - éramos o décimo. E, no caso da sueca Volvo Caminhões, o Brasil assumiu a liderança, com a venda de 8,7 mil unidades. O mesmo fenômeno está ocorrendo na MAN, que adquiriu a Volks Caminhões e anunciou que o Brasil será sua plataforma de crescimento no mundo". Isso prova que o contágio da crise europeia por aqui, diferentemente do que ocorreu com o colapso dos bancos nos EUA, pode ser até positivo.